quarta-feira, 30 de junho de 2010

Insubordinação militar no Império

 A entrevista bombástica e a consequente demissão do comandante chefe das operações militares dos EUA no Afeganistão, general Staney McChrystal, indica que há um grave problema de estratégia no Afeganistão e não se refere apenas a um caso isolado de insubordinação de militares. Um dos principais assessores militares de McChrystal descreveu a guerra no Afeganistão como “invencível” e que os militares deveriam ter cuidado para não revelar o que realmente está acontecendo no Afeganistão, porque quanto mais informação sobre a guerra, mais impopular ela será. O artigo é de Reginaldo Nasser.
O jornalista Michael Hastings (revista Rolling Stone) publicou nessa semana uma bombástica entrevista do general Stanley McChrystal que ocasionou sua demissão do cargo de comandante chefe das operações militares no Afeganistão. O general e seus assessores diretos criticaram e zombaram de vários membros do governo (embaixador no Afeganistão, assessor de segurança nacional e outros) e, em particular, do vice-presidente Joe Biden. Foram poupados a secretária de Estado Hillary Clinton e o secretário de Defesa, Robert Gates, considerados os principais apoiadores da insistência de McChrystal, no ano passado, de que Obama deveria aumentar o número de militares no Afeganistão para cerca de 100.000 ( foram enviados 30 mil).

Tom Andrews (June 23, 2010 CommonDreams.org) chama a atenção para o fato de que, enquanto a grande imprensa continua a perder tempo relatando as diatribes do general e seus assessores, a entrevista revela-nos que há um grave problema de estratégia no Afeganistão e não se refere apenas a um caso isolado de insubordinação de militares. Evidentemente que seria exagero querer extrair do episódio uma falta de controle geral, mas é possível reconhecer a existência de fortes indícios de que há fissuras no interior do governo.

Um dos principais assessores militares de McChrystal, o Chefe de Operações Major Bill Mayville, descreveu a guerra no Afeganistão como “invencível” e que os militares deveriam ter cuidado para não revelar o que realmente está acontecendo no Afeganistão, porque quanto mais informação sobre a guerra, mais impopular ela será. Enquanto o Presidente Obama tem assegurado ao Congresso e ao público de que as tropas deverão iniciar sua retirada do Afeganistão, em Julho de 2011, os líderes militares disseram a Hastings que , na verdade, eles estão prevendo é um aumento das tropas. Assim, as incertezas sobre as intenções, a longo prazo, só aumentam as dificuldades, pois se realmente os EUA estão encaminhando para a retirada, porque deveriam pagar altos custos agora?

Os especialistas militares reconhecem que McChrystal é um dos generais mais capacitados nos EUA e está junto com o general Petraeus (seu substituto) desde 2007 quando houve uma mudança estratégica na condução guerra no Iraque com significativa diminuição do nível da violência. Respondendo á pergunta da revista Foreign Policy (Dezembro-Fevereiro de 2008) a respeito das razões que levaram as forças militares adotarem uma verdadeira estratégia contra-insurgente antes do aumento de tropas em 2007 no Iraque, Petraeus observou que os principais fatores foram: definir um modelo para a cooperação civil-militar e conseguir apoio da população ao catalisar o rechaço por parte da comunidade Sunita da violência indiscriminada associada ao Al Qaeda. Petraeus reconhece ainda que é uma tarefa muito difícil convencer os governos locais de que é preciso haver “reconciliação com seus antigos inimigos”. Ou seja, esse tipo de estratégia (contra-insurgência) só será bem sucedida se houver plena integração de ação entre civis e militares das tropas aliadas, das forças locais e internacionais.

O inimigo número 1 do General demitido é o tenente-general reformado Karl Eikenberry ( atuou no Afeganistão e Iraque), atualmente embaixador no Afeganistão. No início de novembro de 2009 o The New York Times revelou dois memorandos que o embaixador enviou a Washington desqualificando a estratégia de McChrystal e solicitando ao Presidente olhar para além de uma solução militar. Explica que não pode apoiar a recomendação de enviar mais tropas, porque ao invés de reduzir a dependência do Afeganistão irá, provavelmente, aprofundá-la. Avalia o presidente afegão, Karzai, como alguém sem capacidade política para realizar as funções mínimas de governo e que deseja que os EUA instalem bases militares em seu território para que possa ser usada contra seus inimigos internos e as potências vizinhas. Concluindo, o embaixador propõe alternativas que vão além de um esforço de contra-insurgência estritamente militar, e prevê a realização de negociações de alto nível com insurgentes afegãos, paquistaneses, sauditas e outros importantes atores regionais como o próprio Irã. Qual proposta o novo comandante Petraeus irá apoiar? De que lado está Obama?

Como alguns jornalistas norte-americanos já notaram, é uma ironia que o governo dos EUA esteja provando mais capacidade de semear discórdia entre as suas próprias fileiras do que entre os inimigos. Claro que boas relações entre civis e militares e unidade de comando não serão suficientes para vencer essa guerra de ocupação. O problema McChrystal está, por enquanto, resolvido, mas outros permanecem. A combinação da arrogância imperial misturada à desorganização, incompetência e divergências internas trazem à lembrança o fiasco do Vietnã. A atitude do general Stanley McChrystal e seus assessores que parecem ter decidido que, neste momento complicado, a melhor atitude a tomar é abandonar o barco é bastante reveladora desse momento. Resta saber quem são seus patrocinadores políticos.
(*) Professor de Relações Internacionais da PUC/SP
Fonte: CartaMaior

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